3 de mar. de 2011

Radiologia Intervencionista


Uma viagem pelo corpo humano, na qual é possível navegar tridimensionalmente pelas mais estreitas passagens do organismo, como veias e artérias. O cenário parece futurístico, mas é bem real, graças à radiologia intervencionista (RI), especialidade que permite diagnosticar e tratar doenças graves de forma minimamente invasiva, reduzindo riscos de complicações e morte. A história da RI começou a se desenhar na década de 1960, quando o americano Charles Dotter fez a primeira angiologia de artéria femoral em uma paciente de 82 anos. Referência entre os colegas, o médico buscava alternativas para as cirurgias abertas. “Essa senhora apresentava dor e gangrena devido ao estreitamento arterial, não era uma boa candidata à operação e o caso evoluía para a amputação”, conta Alexander Corvello, chefe do serviço de RI do Hospital Santa Cruz, em Curitiba. Dotter usou uma corda de guitarra como fio guia e um cateter, que dilatou a artéria. “A paciente foi embora andando e com as lesões cicatrizadas”, diz.

De lá para cá, o aprimoramento da especialidade permitiu o tratamento de doentes com os mais diversos males. Através de microincisões, cateteres navegam guiados por equipamento de imagens e patologias são combatidas sem que o resto do organismo seja agredido. “O tempo de recuperação é muito menor. Hoje, tratamos doenças intra e extravasculares. Na maioria dos casos, um único furinho, geralmente na virilha, é feito na pele do paciente. Nem ponto é necessário”, pondera Corvello, que está à frente da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular.

Atualmente, a RI tem nocauteado mazelas como aneurismas, doença obstrutiva da artéria carótida (AVC isquêmico), trombose venosa profunda, doença arterial periférica, impotência sexual vasculogênica, tumores malignos no fígado e em outros órgãos, fratura de vértebras e muitas outras. A neurocirurgiã Iruena Kessler fala com entusiasmo sobre o aumento nas chances de recuperação total de pacientes diagnosticados com aneurisma cerebral. Antigamente, a doença era um caminho sem volta para boa parte dos enfermos. Na cirurgia convencional, o crânio é aberto e parte do osso é retirada para que o aneurisma seja clipado ou costurado. Diversas estruturas podem ser lesadas. “Pela radiologia intervencionista, fazemos a embolização e exclusão do aneurisma com micromolas ou stents. Sem traumas, o paciente vai para casa andando dois dias depois”, explica a médica.

O procedimento é realizado via punção da artéria femoral — um microfuro na virilha —, por onde os cateteres navegam até as ramificações do cérebro. O risco de lesão em outras áreas é mínimo. “O preenchimento com micromolas exclui o fluxo de sangue e resolve o transtorno”, acrescenta Gustavo Paludetto, radiologista intervencionista que atua no Incor Taguatinga e no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (IC-DF). As imagens que guiam a equipe médica são obtidas por ultrassom, tomografia computadorizada, angiografia por subtração digital e radioscopia.

A comerciária Brasília de Paula Teixeira, 53 anos, acredita estar viva graças à RI. Diagnosticada com um aneurisma cerebral já rompido em 2009, ela ficou internada na UTI por 24 dias. “Os médicos me desenganaram, diziam que eu não sobreviveria à cirurgia aberta. Um radiologista intervencionista soube do meu caso e me operou com um único furo na virilha. Graças a ele, estou viva. Três dias depois do procedimento, eu estava em casa com minha família”, relembra.

Promessas
Os miomas uterinos, tumores que atingem 25% das mulheres, também podem ser tratados pela RI. Até a década de 1990, a única solução para o problema era a cirurgia aberta. Na maioria dos casos, o útero era retirado. “Hoje, pelas artérias injetamos microesferas que obstruem os vasos e reduzem a irrigação do tumor. A embolização pode ser feita apenas com anestesia local na virilha e leve sedação. Não há cortes nem perda sanguínea, apenas uma incisão menor que 2mm”, pontua Paludetto.

Entre os pacientes mais beneficiados pela RI, estão os diagnosticados com aneurisma na aorta, cujo rompimento leva 87% das vítimas à morte. Da maior artéria do nosso corpo, saem os ramos que irrigam todos os tecidos do organismo. O método cirúrgico tradicional de retirada do aneurisma envolve procedimentos de risco. O índice de mortalidade é alto e 25% dos pacientes que vencem a cirurgia ficam paraplégicos. “Com a RI, implantamos a mesma prótese colocada na cirurgia convencional. Apenas 0,8% dos pacientes morrem e o índice de paraplegia caiu para 2,2%”, observa o radiologista intervencionista.

O médico intensivista Renato de Camargo Viscardi, 63 anos, conta que recebeu o diagnóstico de aneurisma na aorta por um exame de ecografia. “O aneurisma estava crescendo rapidamente e, como médico, sabia dos riscos da cirurgia tradicional, mas já estava por dentro dos benefícios da RI. Optei por esse novo caminho. Poucos dias depois da cirurgia, estava cavalgando. Hoje, levo uma vida absolutamente normal, o que provavelmente não seria possível se tivesse sobrevivido à cirurgia convencional”, considera.

Para Alexander Corvello, o futuro da especialidade mais democrática da medicina é promissor. “Somos pioneiros na medicina moderna. A RI nos exige expertise em anatomia humana, demanda conhecimento de diversas áreas da medicina e destreza com a tecnologia. Até a oncologia tem se beneficiado. O tratamento de alguns cânceres, como o de fígado, por exemplo, ganhou uma ajuda representativa”, avalia. Segundo ele, as expectativas não poderiam ser mais animadoras. “Nos próximos anos, a RI será mais difundida e tratará as enfermidades com ainda mais efetividade e menor agressão para o paciente”, garante.
FONTE: CONTER

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